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Musica de Não Músicos

Outsider Music, a verdadeira música alternativa.


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O que acontece quando uma pessoa que não é um músico decide criar algo no mundo da música? Se a sua resposta é: “Provavelmente algo horrível”, você está certo. Mas também, muito errado. Na década de 1990, o jornalista e DJ  Irwin Chusid, preparava um compilado especial para ser tocado na rádio comunitária que ele fazia parte. Songs in the key of Z (o nome do compilado) viraria um livro, em que Chusid cunharia o termo “outsider music” e perfilaria vários músicos. 


“Gênios? esqueça. Talento? Não é esse o ponto. Bem-vindos ao curioso universo de outsider music uma mutação de arte sonora distorcida que é tão errada, que se torna certa” Essa é a introdução de Chusid aos músicos que ele irá falar. Mas mesmo com essa introdução chamativa, ainda fica bem difícil entender o que são essas pessoas. 


Do melhor jeito que eu posso dizer: eles são pessoas normais. Alguns que sonham com ser famosos, mas não têm o talento suficiente para isso, outros passam a vida assombrados por doenças mentais e traumas. E alguns apenas são o resultado de muita, mas muita droga. Pessoas excêntricas de maneira geral. Talvez o que a sua avó pensa quando ouve a palavra artista e não vê essa pessoa na TV. 


Suas músicas geralmente são marcadas por uma certa ingenuidade em suas composições e a baixa qualidade das gravações, o verdadeiro Lo-Fi (low fidelity). Mas assim como essas pessoas, suas músicas não podem muito bem ser contidas em um único gênero ou aspecto, e isso quase sempre causa estranheza em quem ouve.


Uma pessoa que não ouve muita música pode experimentar uma vez e simplesmente concluir que isso é a pior coisa que já ouviu ou que é uma piada, um meme. Essa reação, deriva da crença de que esses artistas estão tentando alcançar um patamar artístico a nível de ficar famoso comercialmente, mas esse não é o caso.  


Para apreciar outsider music, é preciso se comprometer. Tirar tudo o que você conhece sobre música tradicional da sua cabeça e estar aberto a uma experiência única. Um preço alto a se pagar, mas a recompensa também é grande. Uma vez que você acha que já conheceu tudo sobre o universo da música, ele te surpreende de novo. E mais do que isso, um lembrete, seguir as regras quase nunca é um caminho da criatividade. 


Então, eis aqui recomendações de outsider music e uma breve história sobre seus autores. 



Ednaldo Pereira


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Como acho que a minha explicação sobre outsider music não foi da mais clara, vou começar com um exemplo que todo mundo conhece, é que pode ser classificado dessa maneira. 


Ednaldo Pereira é um cantor e compositor brasileiro que ganhou popularidade na internet por causa de suas músicas e vídeos únicos. Seu estilo é caracterizado por letras surreais e um jeito excêntrico de se expressar. Ele começou a se destacar nas redes sociais, ficando famoso no falecido Orkut em 2008 e no YouTube por conta de sua música "What 's the Brother?" e outros vídeos que, da melhor forma que eu posso descrever, há aspectos que podem ser cômicos, mas não passam de uma expressão diferente do que estamos acostumados. 



Ednaldo Pereira deu uma entrevista para o Jô Soares, em 2008 e, sinceramente eu fico triste com essa entrevista e eu não sou o único. Ednaldo começa performando "What 's the Brother?" E a plateia do programa imediatamente o transforma em um palhaço. Jo, tenta seguir a entrevista normalmente, mas com o passar do tempo cede ao ridículo de tudo e começa a fazer perguntas que transforma o artista em um palhaço por completo. 


Mas o que uma pessoa que não está preocupada em ridicularizar alguém em rede nacional tira da entrevista é o quão carismático Ednaldo é. E ainda, a sinceridade de suas letras.  “É mais ou menos assim, qual é irmão?, quem é o irmão? e aí a música continua dizendo: uma fraternidade, vamos procurar viver a igualdade” Uma mensagem simples, mas bonita. E essa é a essência da outsider music.


E eu não sou o único que acha que Ednaldo não é apenas um palhaço. Com o passar do tempo, ele se tornou um ícone da cultura de memes no Brasil, sendo reverenciado pelo público da internet. A fama dele se expandiu com vídeos e muitos fãs o tratam como uma figura cult, pela sua originalidade, e pelo caráter cômico de sua obra.


Minha recomendação:




Rogério Skylab 


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Se você não conhecia o Ednaldo Pereira aqui está mais um exemplo que eu tenho certeza que as pessoas vão reconhecer instantaneamente. 


“Dedo, língua, cu e boceta” Skylab é um cantor, compositor, poeta e performer brasileiro, conhecido por suas letras como essas. Quase sempre hipersexualizadas e muitas vezes explorando partes bizarras e grotescas do ser humano, skylab é o rei brasileiro da outsider music.  




Notório na cena underground de São Paulo, Skylab ganhou muito reconhecimento recentemente pela suas aparições em mesacasts e pelo jeito “bizarro” de se comportar e sua falta de vergonha em falar sobre sexo e seu amor pelo pênis. Ele é um exemplo de que outsider music não é apenas quem não sabe fazer música pegando um instrumento e mandando ver. 


O artista tem um domínio bem grande de teoria musical e explora muitos gêneros diferentes, que vão de MPB à rock experimental, metal e alguns elementos de música vanguardista. Com uma carreira de mais de 30 anos, Skylab publicou 27 álbuns (26 publicados de forma independente), os de maior sucesso sendo da série “Skylab” que durou de 1999 à 2008. 


Suas performances ao vivo também são bastante excêntricas e teatrais, contribuindo para sua imagem como uma figura cult no cenário musical brasileiro. 




Apesar de ter uma carreira fora do mainstream, ele conquistou uma base de fãs leal devido à sua originalidade e criatividade, e é frequentemente visto como um artista que desafia convenções. E não apenas um palhaço, ou um meme, como algumas pessoas o veem. 


Há algo de extrema poesia e arte em pegar as melodias mais bonitas da música brasileira, que normalmente são acompanhadas de letras lindas e sanitizadas, e transformar isso em um simples amor pelo grotesco e vulgar. è quase como se ele tirasse o poder que certas palavras têm na sociedade. 


Skylab é um artista muito interessante e qualquer pessoa que apenas o vê como um meme está perdendo muita coisa. 


Minha recomendação:





Tony da Gatorra 


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Em 1975, munido de uma sólida formação em eletrônica obtida através de um curso por correspondência do Instituto Universal Brasileiro, Tony da Gatorra iniciou uma jornada que o transformaria em um dos nomes mais originais da música brasileira. Há quase duas décadas, movido por sua criatividade, ele concebeu e construiu um instrumento que desafiaria as convenções musicais: a gatorra. Um instrumento para falar, para se expressar e para protestar. 




Com um formato que lembra uma guitarra, a gatorra é, na verdade, um híbrido único entre um instrumento de percussão e um sintetizador. Sua sonoridade é tão singular quanto sua construção, desafiando qualquer tentativa de categorização.

A música de Tony da Gatorra é uma experiência sensorial única, uma fusão de ritmos eletrônicos, melodias quase quebradas e letras engajadas que abordam temas políticos e sociais de forma direta, sem tentar esconder ou romantizar o que ele quer dizer.


Ele lembra muito um hippie dos anos 60 que nunca parou de acreditar no movimento. Sempre com uma bandana escrito “Paz” na cabeça e uma música  profundamente contemporânea, abordando questões relevantes da sociedade atual. “Eu sou um cara que assim, que eu protesto contra as injustiças do Brasil”. Contra o capitalismo brasileiro, sua obra é um hino à liberdade de expressão, à criatividade e à busca por um mundo mais justo e igualitário.


A gatorra é capaz de produzir diversos tipos de sons e isso é fundamental para a música de Tony. E não só para a música de Tony, a cantora Lovefoxxx da banda Cansei de ser sexy tem um gatorra. E dos gringos, Nick McCarthy do Franz Ferdinand e Lee Ranaldo do Sonic Youth  tem uma gatorra.  




Tony da Gatorra é um ícone da música independente brasileira e da outsider music, mas como parece ser a tendência, também coleciona participações em programas de TV onde é tratado como uma piada apenas pela música que ele toca não ser a tradicionalmente aceita. Mas sua inventividade e originalidade nunca cederão a comentários maldosos e a gatorra, em um futuro não distante, irá virar um legado da criatividade brasileira. Atualmente Tony tem 3 álbuns de estúdio, um deles lançado em parceria com o inglês Gruff Rhys, da banda Super Furry Animals 


 Minha recomendação:





Gary Wilson 


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Todo mundo diz que todos os artistas são loucos. Mas isso é porque elas não conhecem Gary Wilson. porque se conhecessem, saberiam o que de fato é um artista louco. 




Gary Wilson é um nome que ecoa no universo da música independente e experimental, especialmente quando o assunto é outsider music. Nascido em Ogdensburg, Nova Jersey, em 1953, Wilson é o outsider mais rebelde de todos, como algumas pessoas dizem até que tem muito medo dele. 


A música de Gary Wilson é uma mistura eclética de rock, pop, funk, jazz e lounge, com influências que vão desde o rock psicodélico dos anos 60 até a música eletrônica experimental. Sua voz peculiar, suas letras introspectivas e suas melodias simples e cativantes criam uma atmosfera única e inconfundível.




Mas onde ele realmente brilha é em suas performances ao vivo. Seus shows foram, e ainda são, experiências teatrais, cheias de estranheza, experimentalismo e uma dose de choque. Wilson misturava música com elementos de performance art, envolvendo o público em uma atmosfera surreal e imprevisível.


Em cena, ele aparecia coberto de materiais incomuns, como farinha, plástico, fita adesiva, sangue falso, cobertas ou outros objetos aleatórios, criando uma imagem perturbadora e caótica. Ele também já usou manequins ou outros adereços bizarros no palco, o que reforça a natureza teatral e excêntrica de seus shows. 



Esses elementos visuais se combinavam com gestos performáticos, que podiam incluir movimentos erráticos ou posturas desconfortáveis,que deixavam todo mundo mais desconfortável ainda.


O público frequentemente não sabe o que esperar – os shows podem ser confusos e intensos, mas também originais e cheios de energia. E falando de energia, há relatos de que alguns dos donos das casas de show que gary performava cortavam a energia no meio do show, tentando fazer com que ele fosse embora.  Ele criava uma sensação de desconforto proposital, onde a linha entre o normal e o estranho se dissolvia. Suas performances funcionavam quase como uma extensão física de sua música – excêntricas, emocionais, e com um toque de absurdo.


Mas algo pouco falado sobre Gary é como ele estava fazendo a música alternativa antes de todo mundo. Sua carreira musical teve início na década de 1970, quando gravou seus primeiros álbuns de forma totalmente independente. Seus álbuns  "You Think You Really Know Me" (1977) e "Midnight Hour/When I Spoke of Love" (1978), são considerados clássicos da música underground. E ele ainda está  na ativa, tendo lançado um álbum em 2024, Isso são 54 anos de carreira em 16 álbuns. 


Minha recomendação:






Daniel Johnston


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“Meu nome é Daniel Johnston, esse é o nome da minha fita, se chama Hi, how are you, e eu estava tendo um colapso nervoso quando gravei ela” É assim que Johnston promove seu álbum. 


Daniel Johnston foi um músico, cantor e artista visual americano, conhecido por suas composições lo-fi e por ser uma figura influente no cenário da música alternativa e uma figura indispensável quando o assunto é outsider music



O que Johnston tem de emblemático, ele tem de direção em suas composições. Suas músicas são simplistas, mas ao mesmo tempo, extremamente poéticas e eu sei que nessa altura do campeonato, eu falar que alguém do mundo da outsider music é “simples, mas profundo” parece meio pedante. mas essa é a mais pura verdade sobre Johnston. 


Nascido em 22 de janeiro de 1961, ele cresceu no Texas e começou a ganhar notoriedade na década de 1980 com suas fitas cassetes caseiras, que distribuía pessoalmente para quem quisesse ouvir.


O amor é uma constante em suas músicas, especialmente depois que ele conhece Laurie, em uma aula de arte. A mulher vira uma espécie de musa para Johnston, mas também uma gigantesca dor em seu peito. A dor de um amor não correspondido. 


Esse amor não correspondido por Laurie foi uma das forças motrizes por trás de muitas de suas canções. Para Johnston, Lorie representava o ideal de amor romântico inatingível, uma figura quase mítica que ele nunca poderia realmente ter. As músicas como "Some Things Last a Long Time", "True Love Will Find You in the End"(minha favorita dele) e "Living Life" expressam sua devoção por ela e o sofrimento que sentia por sua rejeição. Em suas letras, ele frequentemente fazia referência a Laurie de maneira velada, transformando-a em uma espécie de arquétipo para a perda e a busca por amor.


Mas um coração partido foi apenas um dos problemas de Johnston. No filme “Hi, How Are You Daniel Johnston? (2015), Daniel fala do porquê dele fazer tantas músicas: “ Não é apenas sobre ela sabe, eu tenho essa dor, no meu cérebro”. Hoje, muitas pessoas acreditam que Daniel tinha esquizofrenia, e as doenças mentais eram outro tema frequente em suas músicas. E enquanto essas músicas viam um certo sucesso na cena indie dos EUA de 1990, Daniel passava a maior parte de seus dias internado em uma clínica psiquiátrica, já que cada vez mais tinha ataques psicóticos e alucinações.




Mas no final, a vida de Daniel deu certo e ele lança mais de 30 álbuns e eps lançados e uma influência gigantesca em alguns dos melhores músicos de sua geração. Um dos maiores fãs de Johnston foi Kurt Cobain, que frequentemente usava uma camiseta com a capa de Hi, How Are You (1983), o que ajudou a elevar o perfil do músico entre o público alternativo e no mainstream da época. Cobain não só admirava as composições honestas e cruas de Johnston, mas também via nele uma alma semelhante, lidando com os mesmos demônios pessoais e vulnerabilidades que marcaram a própria vida de Cobain.


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Além de Cobain, outros artistas e bandas influentes, como Sonic Youth, Beck, Yo La Tengo, Tom Waits e Eddie Vedder, também expressaram admiração por Johnston, seja através de colaborações, covers de suas músicas ou simplesmente reconhecendo sua importância no cenário alternativo. 


Além de sua música, Daniel Johnston também foi um artista visual prolífico. Seus desenhos, frequentemente incorporados em seus álbuns, eram tão peculiares e expressivos quanto sua música. O personagem "Jeremiah, the Innocent", o sapo que aparece na capa de Hi, How Are You, tornou-se um símbolo icônico associado ao legado de Johnston, aparecendo em murais e tributos a ele, especialmente após sua morte.


Em 2005, um documentário intitulado The Devil and Daniel Johnston foi lançado, narrando sua vida e carreira. Johnston faleceu em 11 de setembro de 2019, ainda morava com seus pais e seu quadro mental estava estável a um bom tempo.


 Minhas recomendações:





Final


Para terminar, eu queria recapitular algumas coisas. A primeira é a própria ideia do que é outsider music. Ela não é algo fixa e quadrada, artistas completamente diferentes podem fazer parte dela e nem mesmo quem se considera artista. O que importa é fazer a música. 


Em um mundo cada vez mais padronizado e dominado pela indústria musical, a outsider music nos lembra do valor da autenticidade. Ao criar música a partir de suas próprias experiências e de emoções tão vivas que não podem ser expressas apenas pela fala, esses artistas nos oferecem uma visão mais sincera e humana da arte.


A outsider music é um universo vasto e fascinante, cheio de descobertas e surpresas. Ao longo desse texto eu explorei alguns artistas, mas eu te garanto, que com um pouco de pesquisa você achará mais um milhões desses. Todos únicos à sua maneira e não menos merecedores da nossa atenção. Então, tudo o que peço é que deem chance a algo estranho. Afinal, você nunca sabe o que vai encontrar. 



"To all the artists out there: don't be scared." - Daniel Johnston, 2015. 


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